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Breve crônica da TV aberta ou CASAL SE CASA NO FAZ DE CONTA

Marina Marcondes Machado

Já faz algum tempo, desde 2019, tenho me disposto a assistir, em alguns momentos do dia, a “TV aberta”: os canais comuns, ou tradicionais, brasileiros. Comecei a fazer isso mesmo antes da pandemia do novo Corona Vírus; minha proposta seria: ver (e ouvir) “o que ta pegando”.


Agora, durante a pandemia, tenho uma curiosidade que é também uma preocupação: como estão as crianças? O que fazem, do que brincam?; se brincam, com quem brincam?


Vi que os canais da televisão aberta fizeram várias matérias voltadas para as mães: dicas, atividades, conselhos, entrevistas... Muito pouco espaço se deu para o ponto de vista da criança (nessas mídias mainstream). Agora, a partir do mês de maio, o telejornal local da Rede Minas fez um “quadro” com dizeres “dos pequenos”... temático, mas não editado estrito senso, o que foi bem simpático.
Muito legal mesmo.


Mas, no geral, vi nas entrevistas com as mães duas tendências que me pareceram extremas: rotina, agenda, lição – comida – banho – game – sono tudo tudo tudo com sua hora para acontecer, versus a assunção do caos, tudo tudo tudo bagunçado e remexido, igual vemos nos seriados de polícia quando alguém entra na casa de outro alguém, para roubar ou procurando algo específico... A “escolha de caos” foi feita por mães que precisavam atender a reuniões no formato home office.


No entanto há exceções: entre agendas e compromissos de quarentena e liberdade sem limites, há quem se agache. São adultos que procuram estar-com. Podem viver o distanciamento social como oportunidade de convívio com seus próprios filhos – outrora entregues para “especialistas”, por assim dizer (na escola, no dentista, na psicóloga, na aula de esporte...) (sim, as matérias na TV aberta são com pessoas classe média / média alta, invariavelmente).


Um exemplo muito bonito, nessa terceira via: um pai, uma mãe, duas filhas; as meninas perguntaram: “Por que não fomos no casamento de vocês?” Discussões sobre “de onde vem os bebês” à parte (meu foco aqui será o brincar), pai e mãe decidiram re-casar. Estavam casados fazia 11 anos; as meninas deviam ter entre 4 a 7 anos. A mãe vestiu o vestido de noiva. O pai, seu melhor terno. As meninas enfileiraram, na sala da casa, quatro cadeirinhas plásticas: elas duas, as primeiras da fila; atrás, várias bonecas. O pai ficou na sala, a mãe veio dos quartos com um
buquê na mão. Era uma matéria editada, na TV aberta. Mas o que vi foi muito interessante e sensível. Os pais de fato re-casaram, reafirmaram seu amor, diante das filhas, em plena pandemia de Corona Vírus. Seus depoimentos, simples, eram recheados de emoção e amorosidade. Eles brincaram de faz de conta, encarnando em seus corpos seus personagens: eles mesmos, onze anos antes...!

 

Brincar de faz de conta na companhia dos adultos, sem roteirização prévia, sem ensaio de falas [embora o rito do casamento o tenha], me pareceu mais do que um ato de amor dos pais pelas meninas, e entre eles mesmos. Foi um rito de celebração da vida humana: homenagem à nossa capacidade para brincar, criar, teatralizar, viver. Saravá!

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