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 Performance, Educação e Primeira Infância: “vamos juntas a cruzar la plaza corriendo sin miedo?” 

Patrícia D. Prado 

PRADO, Patrícia D. Performance, Educação e Primeira Infância: “vamos juntas a cruzar la plaza corriendo sin miedo?”. São Paulo: ECA-USP. Dep.to Metodologia de Ensino e Educação Comparada (EDM), FEUSP; Professora Doutora.

 

RESUMO: Este trabalho é fruto de pesquisa de pós-doutorado que buscou, no intercâmbio acadêmico com a Escola de Comunicação e Artes, da Universidade de São Paulo/SP (ECA-USP), aprofundar os estudos e pesquisas realizados junto à Faculdade de Educação (FEUSP), desta mesma Universidade, sobre as experiências formativas e estéticas em dança, teatro e performance, na formação em Pedagogia e na Educação da primeira infância, a partir da investigação de propostas desenvolvidas pelo Projeto uruguaio Verdanzar. Dentre estas, destaca-se aqui, a Oficina “Prohibido Estacionar: cuerpo y ciudad - propuesta de investigación y creación, danza-infancia y juventud”, com Uxa Xavier, no 10º ENREDANZA Uruguay (Encuentro/Festival de Danza Contemporánea para Infancia y Juventud), em Montevideo/UR. Os dados produzidos através de pesquisa de campo etnográfica, analisados à luz dos Estudos Sociais da Infância, na interface com as Artes, revelam formas relacionais de vivenciar e investigar as relações entre corpo e cidade, fundamentais na formação estética, assim como, as culturas infantis protagonizadas pelas crianças, que exibem uma estreita relação entre educação, performance e infância.

 

PALAVRAS CHAVE: Projetos artísticos, Formação estética, Performance, Infância, Educação.

ABSTRACT: This work is the result of postdoctoral research that sought, in the academic exchange with the School of Communication and Arts, University of São Paulo/SP (ECA-USP), to deepen the studies and research conducted at the School of Education (FEUSP), from the same University, on the formative and aesthetic experiences in dance, theater and performance, in Pedagogy training and Early Childhood Education, from the investigation of proposals developed by the Uruguayan Verdanzar Project. Among these, we highlight here the Workshop “No Parking: body and city - research and creation, dance-childhood and youth”, with Uxa Xavier, at the 10th ENREDANZA Uruguay (Contemporary Dance Festival for Children and Youth), in Montevideo/UR. The data produced through ethnographic field research, analyzed in the light of the Social Studies of Childhood, in the interface with the Arts, reveal relational ways of experiencing and investigating the relations between body and city, fundamental in aesthetic formation, as well as children's cultures, played by children, who exhibit a close relationship between education, performance and childhood.

 

KEYWORDS: Artistic projects, Aesthetic training, Performance, Childhood, Education.

Fruto de minha pesquisa de pós-doutorado (PRADO, 2017a), que buscou intercâmbio acadêmico com a Escola de Comunicação e Artes, da Universidade de São Paulo/SP (ECA-USP), para aprofundar os estudos e pesquisas que venho realizando junto à Faculdade de Educação (FEUSP), desta mesma Universidade, sobre as experiências formativas e estéticas em dança, teatro e performance na formação em Pedagogia e na Educação da primeira infância, este trabalho destacará a Oficina “Prohibido estacionar: cuerpo y ciudad - propuesta de investigación y creación, danza-infancia y juventud”, com Uxa Xavier, no 10o ENREDANZA Uruguay, 2016 (Encuentro/Festival de Danza Contemporánea para Infancia y Juventud), em Montevideo/UR1.

O referido Encontro/Festival é uma das propostas desenvolvidas pelo Projeto uruguaio Verdanzar2, centro de interesses de minha investigação sobre os processos coletivos, lúdicos e artísticos na produção de conhecimentos sobre a Educação da primeira infância, na formação estética e humana de suas/seus profissionais (FRITZEN; MOREIRA, 2008) e na produção artística para e com crianças, especialmente, nos campos da Dança, do Teatro e da Performance (PRADO; SOUZA, 2017b), concebendo as relações entre corpo, brincadeira, arte e educação na cena contemporânea, através de propostas políticas e performáticas como direitos das crianças.

O Proyecto Verdanzar, de Montevideo/UR foi escolhido por destacar-se como um projeto latino americano consolidado que objetiva:

(...) promover a circulação e o acesso às criações cênicas de dança e teatro para crianças, jovens, docentes e famílias, através de formações, oficinas e espetáculos; estimular a formação de novos públicos para a dança; difundir a dança e as artes cênicas para a infância e a juventude; fortalecer o vínculo Educação e Arte, impulsionando as instituições educativas; fomentar o interesse e a participação nas atividades ao público em geral; criar e fortalecer vínculos entre instituições, comunidade e coletivos artísticos; dar continuidade e desenvolver novas produções dirigidas ao público alvo e consolidar o projeto junto à agenda cultural e educativa nacional3

Os dados foram produzidos através de pesquisa de campo etnográfica, a partir da observação participante em todas as atividades comuns e incomuns dos grupos envolvidos (FOOTE-WHITE, 1990), com registro posterior em caderno de campo, através da fotografia, filmagem em vídeo e gravação em áudio, além de (nove) entrevistas semiestruturadas realizadas com as/os artistas, com roteiros prévios e mediante autorização.

A Oficina “Prohibido Estacionar: cuerpo y ciudad - propuesta de investigación y creación, danza-infancia y juventud”, ministrada por Uxa Xavier,
por 8 horas diárias, em 7 dias intensos, divididos entre o Centro Cultural España (CCE) e o Instituto Nacional de Artes Escénicas (INAE), em Montevideo/UR, estava inserida em uma das propostas investigadas no 10o ENREDANZA, que se apresenta como proposta artístico-pedagógica que gera espaços de encontros, intercâmbios, reflexões, projeções e formações de crianças, jovens, professoras/es, famílias, artistas e instituições educativas, artísticas e culturais, através de quatro campos: Festival, Encontros de Escolas e Grupos Comunitários, Oficinas e Círculos de Reflexão4.

Professora, performer, gestora cultural e investigadora em dança, Uxa Xavier é uma das pioneiras e referência na educação em dança para e com crianças (XAVIER, 2007), e na formação de professoras/es e artistas performers no Brasil, há 30 anos. Durante os Círculos de Reflexão, também como diretora da Cia. Lagartixa na Janela5, criada em 2010, em São Paulo, ela apresentou a temática: “As crianças, a Dança e a cidade”, juntamente com imagens das performances e investigações da Cia., especialmente, de Breves partituras para muitas calçadas6 – ampliando e aprofundando meu entendimento sobre os processos vivenciados na Oficina em questão.


Como investigadoras da Dança contemporânea para meninas e meninos em espaços públicos, as criações da Cia. também se convertem em propostas de investigação pedagógica em oficinas para crianças, educadoras/es e artistas, pois têm como princípio que a linguagem da dança é também uma área de conhecimento na construção da educação estética, ética e política: “O que nos move? E como nos movemos?”7

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Cena da Oficina Prohibido Estacionar, Instituto Nacional de Artes Escénicas,
ENREDANZA Uruguai, Montevideo, 2016.

Disponível em: https://www.facebook.com/enredanza?fref=ts.

Acesso em 18/12/2019.

Uxa Xavier abriu o primeiro encontro apresentando-se e propondo que todas/os também o fizessem, depois expos os objetivos e concepções dos encontros, propondo uma discussão e reflexão teórica a partir de Eugenia Ropa (2012, p.113), em: A dança urbana ou sobre a resiliência do espírito da dança, que propõe a reflexão sobre a dança urbana que, cada vez mais: “(...) sai dos teatros e penetra no tecido urbano, confrontando-se com a ordem arquitetônica e com um público casual e distraído, encontrado nos lugares do viver cotidiano
onde a comunicação impõe aos corpos dançantes modos distanciados de intervenção”.


Aprofundando o debate, a autora questiona, em seguida: “Trata-se de uma nova pesquisa artística e identitária para a dança ou de uma nova estratégia de sobrevivência?” (ROPA, 2012, p. 113). Refletimos que ambas são indissociáveis na contemporaneidade, não somente no campo específico da dança, mas também, na base dos estudos da Performance e da Performatividade em dança, pois concebem a noção de cena no limite do acontecimento (TURNER, 2013; GOLDBERG, 2006; CABALLERO, 2007).


Uxa Xavier também destacou outras referências importantes para o trabalho, como os estudos de Laban (1978, 1990), a partir do conceito de
cinesfera, compreendida como as relações entre movimento e espaço do corpo, e suas contribuições para a ampliação das possibilidades corporais, não só de bailarinas/os. Pelo contrário, a proposta era aberta para artistas, docentes, investigadoras/es, críticos de arte, etc. Uxa Xavier, inclusive, salientou que os corpos das/os não bailarinas/os muito interessavam-lhe e eram bem-vindos, já que traziam outros repertórios comuns e inusitados, para além dos códigos formatados nos corpos pela dança!


Destaco que o grupo era composto por artistas bailarinas/os, atrizes/atores, professoras/es de dança, da Educação Infantil, do Ensino
Fundamental e Médio, de Universidades e investigadoras/es do Uruguai, Argentina, Bolívia, México, Brasil e Venezuela. Encontros e trocas valiosas por uma América Latina livre8.

Uxa Xavier nos propunha diferentes investigações de potência nas gestualidades, nos movimentos cotidianos, nas experiências e percepções, que se processavam criações. Nos primeiros dias, somente dentro do Instituto Nacional de Artes Escénicas (INAE), depois em pequenas incursões aos arredores do Instituto, até a ocupação da Praça da Independência. No sexto dia de trabalhos, a oficina foi realizada no Centro Cultural de España, seguido de sua ocupação, assim como, em incursões aos arredores e a ocupação da Praça Matriz, regiões centrais de Montevideo/UR.


Com minha participação na Oficina comecei a compreender, de fato, o que é começar com o vazio, enfrentá-lo, pertencer a ele e nele terminar (BROOK, 2011). Plena, inteira, presente e pertencente. Mesmo porque, para Laban (1978) não há espaços que sejam vazios, já que estão sendo modificados, significados, criados a todo o momento pelos movimentos e gestualidades.


Pesquisando a temporalidade em dança, Britto (2008) conceitua o campo da dança como aquele que sobrepõe diferentes tempos que se processam a partir do corpo em articular relações. As temporalidades, desta forma, são movidas a relações. Assim, os espaços e tempos existem porque interagimos com eles, os movimentos e gestualidades acontecem numa dada espacialidade e temporalidade, que alteram esses espaços e tempos, e são por eles alterados - a Performance lida, desta forma, com a sobreposição de diferentes tempos e espaços.

Experimentamos vivenciar esses tempos e espaços vivos, que são moldáveis, mutáveis, viscerais, permeáveis e criadores. Compreendi que os
movimentos e gestualidades variam, portanto, de acordo com o espaço e o tempo que os corpos estão, assim como, os espaços e tempos dos corpos moldam-se para cada criação distinta.

A dança urbana de hoje seria então, nesta perspectiva, somente a última das repetidas manifestações de resiliência do espírito imortal da dança nunca de fato derrotado mesmo que sofredor, e capaz de se regenerar a cada vez nutrindo-se do ar do seu tempo (ROPA, 2012, p. 118).

A dança urbana de hoje seria então, nesta perspectiva, somente a última das repetidas manifestações de resiliência do espírito imortal da dança nunca de fato derrotado mesmo que sofredor, e capaz de se regenerar a cada vez nutrindo-se do ar do seu tempo (ROPA, 2012, p. 118).

Percebemos algo por aquilo que nos afeta, nos toca (LARROSA, 2002), mas também como é afetado por nós, atravessado em meu próprio corpo e nos demais, necessidades de espaços e tempos dos corpos, nos adaptando e, ao mesmo tempo, construindo movimentos e gestualidades, impulsionando, cada vez mais, a cada encontro, muitos esforços internos, marcando momentos de experiência (TURNER; BRUNER, 1986).


Observei que os saberes do meu corpo e das/os demais advinham de diferentes e semelhantes repertórios individuais e coletivos, e que, através das experimentações, estudos, reflexões e vivências, fomos refinando nossos movimentos e gestualidades, controlando-os até percebermos os momentos de deixá-los livres para fluírem, tomando proporções cada vez maiores e inesperadas.

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Cena da Oficina Prohibido Estacionar, Centro Cultural de España. ENREDANZA Uruguai, Montevideo, 2016.

Arquivo da pesquisadora e disponível em: https://www.facebook.com/enredanza?fref=ts.

Acesso em 18/12/2019.

Entretanto, nas diversas formas de ocupação dos espaços urbanos constatei que a cinesfera não era somente um lugar que envolvia meu corpo e os das/os outras/os. Nos espaços urbanos, pertencendo ao vazio, ela foi além de parâmetros de direção, força, amplitude, altura..., para tornar-se potência, presença e pertença, e fruir-se dança.


A partir de Bourriaud (2009), outra referência destacada por Uxa Xavier, assim como na obra por ela organizada: Mapas para dançar em muitos lugares (XAVIER, 2014), que propõe a reconfiguração do ideário poético, estético e relacional da dança contemporânea, enfrentamos outros espaços públicos e privados da cidade, para além dos teatros, aproximando e coabitando artistas, obras e públicos numa dança contextual e urbana.


A ocupação da cidade de forma performática e brincante revelou a possibilidade de uma outra forma, de várias formas, de nos apropriarmos dos espaços urbanos, físicos e sociais, e assim, compreende-los, vê-los e senti-los de outras formas também – transformando e rompendo com as fronteiras de sua dimensão física, tomando consciência de nossas infinitas possibilidades corporais potencializadas pelas relações com os espaços cotidianos.

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Cena da Oficina Prohibido Estacionar, Centro Cultural de España. ENREDANZA Praça Independência, Montevideo, 2016.

Fonte: https://www.facebook.com/enredanza?fref=ts.

Acesso em 18/12/2018.

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Cena da Oficina Prohibido Estacionar, Praça Independência, Montevideo/UR, ENREDANZA Uruguai, 2016.

​Fonte: https://www.facebook.com/enredanza?fref=ts.

Acesso em 18/12/2018.

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Cena da Oficina Prohibido Estacionar. Praça Matriz, Montevideo, ENREDANZA Uruguai, 2016.

Fonte: https://www.facebook.com/enredanza?fref=ts.

Acesso em 18/12/2019.

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Cena da Oficina Prohibido Estacionar. Praça Matriz, Montevideo/UR, ENREDANZA Uruguai, 2016.

​Fonte: https://www.facebook.com/enredanza?fref=ts.

Acesso em 18/12/2019.

Criar dança contemporânea na direção de ativar diálogos com o público infantil e outros públicos, no encontro e contato com o universo e a cultura da infância, nosso material de investigação e pesquisa corporal estética, potencializa nossas percepções e memórias individuais, tendo a noção de corpo como um território de memória e cultura (...), nosso lugar de investigação para podermos construir um diálogo com as crianças. Não imitar as crianças, mas como a infância está moldada e inscrita em nossos corpos, que tem uma potência da memória muito forte. Então, este é o nosso material. A noção de criança performer é um olhar fenomenológico diante da criança em suas ações compartilhadas com e no mundo. Acreditamos que a criança não está apartada, separada do mundo adulto, mas sim, transitando entre a realidade e o estado onírico. É neste transito que constrói relações entre sua corporeidade e espacialidade, que podemos chamar de espaço de invenção e de jogos9.

Desta forma, assim como se estruturam as propostas da Cia Lagartixa na Janela, a oficina estava estruturada em quatro eixos que se articulavam entre si: o universo da infância, a noção de criança performer (MACHADO, 2010), a estética relacional em espaços públicos (BOURRIAUD, 2009) e a noção de antiestrutura (TURNER, 2013).

[...] ação em espaços públicos como um escolha estética e política. Criar e atuar nestes espaços é uma ação nas antiestruturas, na medida em que propõe novos usos e sentidos para os espaços públicos. Contrapõe-se assim, a um pensamento moderno que organizou a percepção e o uso da cidade em categorias e por funcionalidades, em detrimento da ocupação e de diversas possibilidades de estar e de transitar. E o nosso quarto eixo, que é ativando as estruturas, como propõe Victor Turner, antropólogo estudioso da performance, afirma que surge antiestruturas quando acontece liberação das capacidades humanas de cognição, afeto, fruição, criatividade. Desempenhando uma multiplicidade de papéis sociais. Ou de afiliação de algumas categorias de persuasão social, como classe, casta, divisão sexual ou por idade. Sabemos quanto a cultura da infância, na contemporaneidade, se relaciona com uma mídia perversa, com imagens, músicas e ‘dancinhas’ que ditam percepções de formadores de corpo, de corpo colonizado. Que ditam percepções de formadores de corpo e de sensibilidades. Agir nas antiestruturas é atuar nas brechas de estruturas normativas para que assim aconteçam novos movimentos, buscando as experiências e as percepções10.

Assim como Lopes (2015), em “Geometrias inertes, geometrias dançantes”, na obra Corpo e Cidade: moveres entre aproximações e
distanciamentos, organizada por Bastos (2015), a partir da análise da obra Deslugares, a proposta de Uxa Xavier, em Prohibido Estacionar, de escuta dos movimentos, provocou uma mistura entre ausência e presença, ordem e improvisação – centrais em nossas percepções, a escuta e as respostas sinestésicas.

A produção da corporalidade se faz no processo de transformação e em reação ao espaço circundante. A duração de tempo com que o corpo interage com o espaço e tudo que está contido nele estimula o corpo a se transformar, a se recriar, a acontecer, enfatizando assim o potencial performático da dança. O corpo, em suas diferentes realidades, torna-se um dispositivo de transmissão de temporalidade, espacialidade e de auto-reflexibilidade. O dispositivo performático permite a dança questionar a representação e ao artista contestar a si mesmo (LOPES, 2015, p. 33-4).

As experiências de encontros na cidade, cenários liminares de políticas, estéticas e performances (CABALLERO, 2007) foram marcadas por olhares curiosos, atentos e distraídos das pessoas, perguntas, comentários. Algumas nos seguiam pelas ruas, outras nem nos viam, outras até investiam movimentos conosco, mas, por onde passamos e permanecemos, nenhum olhar infantil se escapou de nós.


Ao contrário das/os adultas/os, a maioria das crianças presentes nestes espaços envolveu-se de alguma forma conosco e com a proposta, contemplando e observando de longe, de perto, movimentando-se, compondo gestos, correndo, dependurando-se nos bancos e gradis da praça, gritando, girando, pulando, deitando-se no chão, rolando, rindo, conversando, perguntando e respondendo, ficando em silêncio, recolhendo pedrinhas, papéis, soprando folhas, compondo instalações com elas no chão, brincando de diversas maneiras, ocupando e compartilhando conosco momentos de criação brincante, exibindo seus enigmas (LARROSA, 1998), suas teatralidades e constatando que
também são performers (MACHADO, 2010 e 2011; SOUZA, 2017).


Mais do que isso, as crianças pareciam compreender os sentidos propostos e ainda propor novos imediatamente, entrando nas brincadeiras e as transformando em outras, revelando expressões e manifestações culturais próprias dos grupos infantis (FERNANDES, 1979; PERROTTI, 1982; SAYÃO, 2008), as culturas infantis inscritas nos encontros e experiências estéticas, de corpos inteiros (PRADO, 2015 e 2016), de ludicidade e poeticidade (BACHELARD, 1988 e 1994), na diversidade de classe social, etnia, gênero, idade, geração...

Algumas crianças aproximavam-se lentamente, observavam e outras se lançavam aos vazios, compartilhando-os conosco e com a cidade, nos propondo mais enfrentamentos silenciosos, ou não.

Mesmo em um espaço árido, como uma calçada, uma criança cria sua casinha e desenvolve o jogo. Ela está simultaneamente no estado onírico e consciente de que aquele espaço é uma calçada. São as brechas, as antiestruturas, para que seu corpo em estado de jogo, se presentifique, criando micro realidades dentro de um contexto. (...) A potência do estado de contemplação como um dispositivo imaginado. É na contemplação que criamos os encontros com o público, sustentamo-nos pelas ações de delicadeza. Não temos como objetivo inserir, colocar para dentro, o público na performance, mas sim, compartilhar espaços imaginados, despertando o desejo de se movimentar. O desejo das crianças de se movimentar conosco, ou mesmo, manter-se em espaço de contemplação. Que é também um lugar de fruição estética11.

Ao final da Performance de encerramento da Oficina, já nos encaminhando para uma das saídas/entradas da Praça Matriz, uma das meninas
pequenas presentes, puxou-me pelas mãos, olhando em meus olhos firmemente, depois para o centro da praça que já se distanciava, vazio e me propôs: “Vamos juntas a cruzar la plaza corriendo sin miedo?”. Saímos correndo de mãos dadas até o centro da praça, acompanhadas por outras crianças que também nos acompanharam correndo e gritando, me encorajando a enfrentar o vazio.


A Oficina revelou muitas infâncias e formas de garantia dos direitos das crianças à infância, à brincadeira e à cidade (BRASIL, 1995/2009; GOBBI, s/d), objetivos que unem profundamente Artes e Educação na infância. Mais do que isso, trouxe possibilidades de decolonização não só dos corpos e das sensibilidades, como também das pesquisas com crianças e da Pedagogia da Infância, que busca consolidar a concepção de crianças como protagonistas e produtoras de culturas (FARIA; DEMARTINI; PRADO, 2009), reafirmar a complexidade das infâncias (MARTINS FILHO; PRADO, 2011), como experiências individuais e sociais singulares, descentralizando e rompendo com moldes hegemônicos de sentidos e estéticas dominantes, para além da lógica do capital (ABRAMOWICZ; RODRIGUES, 2014).

Também provocou processos investigativos e performáticos para e com crianças, jovens e adultos/as, com foco nas formas como percebemos as cidades e os espaços que habitamos cotidianamente, contaminado o mundo e o indagando, produzindo tempos e espaços brincantes, de sensibilidade, de conexões e de rupturas, entre territórios rotineiros e excepcionais, entre adultas/os, entre adultas/os e crianças e entre as próprias crianças.

Criamos junto às crianças que habitam o espaço urbano, em seus diversos contextos sociais e culturais. Nossas ações vão além das performances, trabalhamos com oficinas, nas quais os elementos e conteudos de nossas investigações corporais e estéticas também se transformam em proposições artísticas e pedagógicas - um processo no qual nossa própria obra se transforma e ganha outras dimensões, além da fruição estética12.

Como uma das ações artístico-pedagógicas desenvolvidas por Uxa Xavier e pela Cia. que dirige, a proposta da Oficina foi pautada numa concepção de que os processos criativos e os processos pedagógicos são indissociáveis, pois ambos são constituídos pelo ato de criação e por conhecimentos específicos em relações com os corpos, as/os adultas/os, as crianças, a cidade e a criação. As experiências vivenciadas na Oficina, articuladas com nossos percursos criativos, conduziram nossas partituras coreográficas como novas propostas a serem investigadas, como novas proposições em dança, em performance e em educação para todas/os que dela participaram – isto é o que nos moveu, e assim foi, como nos movemos.

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Cena da Oficina Prohibido Estacionar.  Praça Matriz, Montevideo/UR, ENREDANZA Uruguai, 2016.

Fonte: https://www.facebook.com/enredanza?fref=ts.

Acesso em 18/12/2019.

1 Coordenado por Florencia Delgado, Triana Fernández e Daniela Marrero. Disponível em: http://www.enredanza.com/. Acesso em 10/03/2016. Ver também em ENTRE PATAS (s/d).


2 Coordenado por Florencia Delgado. Disponível em: http://verdanzar.blogspot.com/. Acesso em 18/12/2019.


3 Tradução livre da autora, em http://verdanzar.blogspot.com/. Acesso em 14/06/2018.

4 Além de sua parceria com o 2o ENREDANZA Bolivia (2016), em Santa Cruz de La Sierra/BO, coordenado por Daniela Ochoa Urioste e Christian Castillo Luna, com a presença das Cias. convidadas: Teatro al Vacío (Argentina/México), dirigido por Adrián Hernández Arredondo e
Jose Luis Agüero e Lagartixa na Janela (Brasil), dirigida por Uxa Xavier, também investigadas e, especialmente, discutidas em Prado (2017b).

 

5 Recentemente, reconhecida com o Prêmio Denilto Gomes de Dança, 2019, junto à Cooperativa Paulista de Dança, por Criação e Investigação em dança para as infâncias. Também disponível em https://www.lagartixanajanela.com.br/. Acesso em 18/12/2019.


6 “Que é a pergunta, onde estão as crianças? Se elas ainda brincam nas calçadas (...)”, Uxa Xavier em entrevista sobre X Mostra do Fomento à Dança na cidade de São Paulo, 2016. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=2a7G9N0mxh0. Acesso em 19/12/2019.
 

7 Uxa Xavier, na Oficina Prohibido Estacionar, ENREDANZA Uruguai, dez. 2016.

8 Dentre eles, com as professoras e defensoras dos direitos da infância à brincadeira, Patricia Romero e Elea Minardi, do Programa de Recreación de la Comuna Canaria/UR; Carmen Violeta Pérez, Professora da Universidad Nacional Experimental de las Artes (UNEARTE), Venezuela e Marco Pena, professor e performer para crianças, Montevideo/UR: “Por nuncamás desencuentro!”

9 Uxa Xavier, nos Círculos de Reflexão, ENREDANZA Uruguai, dez. 2016.


10 Uxa Xavier, nos Círculos de Reflexão, ENREDANZA Uruguai, dez. 2016.

11 Uxa Xavier, nos Círculos de Reflexão, ENREDANZA Uruguai, dez. 2016.

12 Uxa Xavier, nos Círculos de Reflexão, ENREDANZA Uruguai, dez. 2016.

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